Como pode um artista partir-nos o coração, e ainda assim deixar-nos com um sorriso? Os dois primeiros discos de Dizzee Rascal são obras de génio, pontos em que o grime demonstrou quão excitante e revolucionário pode ser. Entretanto, Dizzee fez um terceiro disco, "Maths And English" que era uma versão um pouco mais amansada dos dois primeiros, e a seguir chamou Calvin "Teclados Eurodance" Harris para fazer "Dance Wiv Me", óptima canção electro-pop-hiphop. Por onde seguir para "Tongue N'Cheek"? Sobretudo pelo lado pop. Hiphop vestido de pop vestida de house, trance, electro, techno, funk, e claro, grime. Salva-se? Aqui está a razão do sorriso. Dizzee é um rapper com flow extraordinário, faça aquilo que fizer, dando à sua pop um groove irresistível. Desta vez quis pôr as pessoas a dançar, e sabe fazê-lo quase tão bem como quando era o "Boy In Da Corner" a soltar os seus demónios.
A capa é talvez a melhor do ano. E longe de mim queixar-me de uma mudança de som que torne uma banda mais "esquisita". Tudo estava no lugar para que "Embryonic" trouxesse os Flaming Lips de novo para as bocas do mundo no fim dos 00s. Conseguem-no? Tentam, pelo menos. A psych-pop sinfónica de "The Soft Bulletin" está morta e enterrada. "Embryonic" faz regressar as trips perigosas dos velhos Lips, removendo o tom brincalhão da voz de Wayne Coyne, e substituindo-o por cânticos vindos do tal "outro lado", um lado onde o krautrock e o acid-rock estão vivos e em actividade sísmica. O que faltou foi trazer de lá mais sons. "Embryonic" é demasiado esquelético por vezes. Fica-se a desejar um qualquer tornado de distorção, algo que nos leve também para onde Coyne parece ter tirado inspiração para as letras. Talvez o disco mais frustrante deste ano, será melhor dizer.
Na fase em que os Yo La Tengo já só deveriam ser os Yo La Tengo, "Popular Songs" mostra-os a tentar ser algo mais para além disso, com sucesso, e a ser exactamente isso, com sucesso moderado. Explique-se. As influências da soul de nomes como Curtis Mayfield é um prazer para os ouvidos, com a voz de Ira Kaplan a soar deliciosamente doce e melosa no meio dos ritmos e cordas, enquadrando tais gloriosas influências sem mácula na música dos Yo La Tengo. Já no que se trata dos YLT mais reconhecíveis, as coisas dividem-se. Se temos músicas feitas de afagantes sussurros de voz e guitarra que estão ao melhor nível da história da banda, por outro os temas mais longos, sobretudo o último, não acrescentam nada e soam supérfluos, quase uma obrigação contratual. E visto que temos 3 músicas nos últimos 35 minutos, as coisas complicam-se. Talvez uma melhor distribuição ajudasse.
Se Tom Waits abdicasse da sua voz rouca, pegasse numa guitarra e tivesse um caso incestuoso com a americana em geral, poderia soar exactamente como a banda de Tim Rutilli. Não seria o génio que é, mas os Califone conseguem ao menos manter o ambiente de ferro-velho através de uma série de arranjos que incluem marimbas, violinos, acordeões, e percussões sortidas. Como nos discos anteriores, a dicotomia da voz com os arranjos resulta numa música sussurrante, numa folk que parece querer desfalecer, mas nunca perde o sentido da melodia. Neste disco, os Califone arriscam uma maior convencionalidade, mantendo o equilíbrio com o experimentalismo, e a verdade é que o conseguem lindamente. Um digno sucessor de "Roots & Crowns" feito por uma banda simplesmente diferente.
Sob o pseudónimo de Sir Luscious Leftfoot, a metade mais ortodoxa dos enormes Outkast tem álbum a solo na calha, curiosamente antes de Andre 3000 sequer ter um disco planeado, e até agora os sinais são positivos. "Shine Blockas" conta com a colaboração de Gucci Mane, e é, como o nome indicará a todos quanto conhecem este calão, dedicado áqueles que querem impedir as estrelas de exibirem o seu brilho/riqueza. Mas isto pouca importância teria, não fosse o estilo provocador de tonturas do flow de Big Boi, auxiliado por soul, efeitos que remetem para bandas-sonoras vintage, os tic-tic sintéticos do hiphop sulista, tremores que causam relaxamento, e o precioso auxílio de outro rapper, Gucci Mane. O futuro dos Outkast parece em boas mãos. Abram a capota, ou ponham a cabeça fora do vidro, e repitam o refrão.
E pronto, eles voltaram. Eles perderam um vocalista carismático com uma voz do caraças, e atreveram-se a esperar 14 anos e alguns concertos depois antes de gravarem um disco com William DuVall na voz. Como soa DuVall? Soa igualzinho a Layne Staley, ponto final. Estes são os Alice In Chains da voz que parece liquefazer-se no meio dos excelentes riffs metaleiros e arrastados de Jerry Cantrell, e da secção rítmica inquieta de Sean Kinney e Mike Inez. Boa parte de "Black Gives Way To Blue" não desmerece em nada a ascendência de grandes discos como "Dirt" ou "Jar Of Flies", revelando uma confiança e destreza assinaláveis na criação de óptimas canções. Talvez alguns momentos mais acústicos, de homenagem a Staley, pudessem ser alterados. Mas perdoemos-lhes, já que a homenagem é merecida. Apesar do gajo ter fodido a vida a sério.
Com um nome como este, claro que não podiam ser americanos. São australianos, e soam a bandas inglesas (New), daquelas cujo nome (Order) não (New) nos escapa (Order). Temos aqui um bonito exemplo de elegantíssimo revivalismo, dance-pop melancólica dos 80s com voz cheia de "longing" (se nós temos saudade, os anglo-saxónicos têm isto). Talvez faça igualmente lembrar outras coisas mais americanas, ou até mesmo os WhoMadeWho do primeiro disco. O que realmente importa é o grau elevado de contágio da melodia e do refrão, que deixa antever coisas boas para este grupo de 4 elementos. Um obrigado ao Hugo Moutinho por me ter apresentado os Miami Horror.
Dependendo da inclinação e desejos de cada um, será possível encontrar mais ou menos falhas nesta segunda sequela do mais histórico dos discos de Jay-Z. Mas a principal será sempre o "contentamento" exibido por Hov. Quase a chegar aos 40 anos, Jay já não sente qualquer necessidade de omitir o facto de gostar da vida de luxo que leva, e de ter um nível de conforto que lhe permite encarar o trabalho e a vida anterior nas ruas de outra forma. É preciso decidir, e eu decidi estar do lado de "The Blueprint 3". Passo a explicar, sendo este um disco de hiphop, preste-se atenção ao MCing. E a verdade é que ninguém sabe mandar o mundo todo dar uma volta caso não fiquem contentes com o que vêm como Jay-Z. Por mais relaxado que soe, nunca deixa de captar a atenção com a sua fluidez. "The Blueprint 3" é pop descontraída, ajudada por uma produção sintética a condizer, que leva Hova feliz para longe de crises de meia-idade. E em "Empire State Of Mind" temos já uma das melhores músicas novaiorquinas que existe.
Por convite dos incansáveis André e Crestfall, tenho andado por aqui. Também por cá as audições têm sido, principalmente, de coisas de que já falei pelo blog. Espero recomeçar em breve nas apreciações à música nova que faz falta como plaquetas no sangue.