Na edição de Sábado do suplemento Actual do Expresso, o estimado
JML escreveu um texto especialmente cáustico sobre a, já aqui elogiada, reedição de "Ten", álbum de estreia dos Pearl Jam.
No restante deste post irei apresentar os meus argumentos relativos à defesa do dito álbum, de uma forma cuidada e apoiada em pormenores que me pareçam relevantes, procurando evitar a habitual grunhice dos comentários anti-gajo-que-disse-mal-da-nossa-banda. Para mais, não é nada que não seja habitual entre melómanos blogueiros de outras paragens.
Sendo assim, aqui vai:
- "Mickey Rourke lamenta que o caminho glorioso do glam metal de Guns N'Roses e companhia tenha sido arruinado nos anos 90 com a chegada de Kurt Cobain e do grunge"
O caminho glorioso dos G'N'R não foi interrompido por ninguém excepto pelos próprios. O díptico "Use Your Illusion" deu azo a uma digressão que encheu estádios pelo mundo todo ao mesmo tempo que Nirvana e Pearl Jam atingiam o sucesso. Os Bon Jovi também encheram estádios durante essa época, sobretudo na Europa. O álbum dos Van Halen de 1991 foi um sucesso, tal como "Adrenalize" dos Def Leppard, e os Aerosmith tornaram-se mais populares do que nunca. Outros, como os Motley Crue, sofreram por terem trocado de vocalista e lançado músicas pouco apelativas para as rádios, o mesmo acontecendo com David Lee Roth. Entretanto, a popularidade de clássicos como Metallica, Led Zeppelin, Black Sabbath e AC/DC nunca caiu, conquistando mesmo milhares de fãs entre as novas gerações. Perderam-se uns Tesla, Poison, Cinderella, Dokken, Ratt e afins? Paciência!
- "Do glam metal, os Pearl Jam (e o grunge) excisaram o glam, a agilidade, a exuberância visual, a força rítmica e, pior que tudo, as canções"
Colocando de lado a questão das aparências, em que poderíamos debater quem atingiu estatuto icónico nos dois campos, vejamos as restantes questões. É difícil dizer que deixou de haver "canções", sobretudo se pensarmos que tantas atingiram o estatuto de hinos. É verdade que isso não deixa de ser um facto para muitas tragédias musicais ao longo da história, mas o facto é que não faltavam melodias inspiradas às bandas da altura. Apenas mais derivadas da história do hardcore, hardrock mais duro, punk e metal. Ou até de gente como Neil Young, The Who, The Doors e até The Beatles e Pixies como era o caso dos Nirvana. Quanto à dita força rítmica, é impossível não apresentar como argumento contrário o trabalho de Matt Cameron em "Superunknown" dos Soundgarden, onde a bateria aparece como herdeira directa de John Bonham. E onde há Bonham há força rítmica. Compare-se isto ao anónimo boom-PAH de milhentas bandas dos 80s, e, pelo menos para mim, vê-se onde está a força rítmica.
- "'Ten' é um pastelão disforme e atolado em autocomiseração. 11 capítulos onde Eddie Vedder mastiga sílabas e o resto da banda toca rock virtuoso e castrado."
É muito difícil considerar "Ten" disforme. Por mais "virtuosismo" que se veja, não existe nenhuma canção no disco em que as guitarras sabotem a ideia de canção com princípio, meio e fim. Observemos as mais compridas intervenções das guitarras, como em "Even Flow" ou "Alive". Em nenhuma destas se perde o lado melódico e, diria, cantarolável. Ao mesmo tempo, mais do que autocomiseração, músicas como "Black" ou "Jeremy" são gritos, são rock pronto a rebentar com as artérias, incapaz de ser contido dentro de uma boca humana. O que as bandas que se seguiram, como os atrozes Godsmack, Staind ou Creed, fizeram, foi retirar toda esta ideia de catarse e substituí-la pelo balão de ar rock FM que, aí sim, era herdeiro do glam metal. Quando Scott Stapp cantava "With Arms Wide Open", não era difícil visualizar Jon Bon Jovi a fazer o mesmo.
Em jeito de conclusão, afirmo que, mais do que precursoras de uns Live, Candlebox ou Matchbox 20, os Alice In Chains, Pearl Jam ou Soundgarden (os Nirvana estão excluídos, por não terem sido "alvejados") são herdeiros dos Black Sabbath ou Led Zeppelin (que não são inocentes no reino da autocomiseração). E o mundo fica mais a ganhar com esta espécie de rock, em que a melodia e as grandes canções se conjugam com riffs que rasgam a pele, em vez de de disputar espaço épico com teclados foleiros e baterias unidimensionais. "Ten" é um álbum que merece ser posto ao lado da grande linhagem, e não dos desastres.